A BALAIADA
Balaiada foi um movimento subversivo irrompido em uma pequena vila maranhense que se alastrou por toda a Província e ameaçou as regiões vizinhas. Recebeu o nome de Balaiada em referência a um de seus líderes, o fabricante de balaios Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, apelidado Balaio. Era um típico representante do Nordeste, homem resistente, de tez morena e cabeça achatada.
Se a separação maranhense tivesse se consumado, causaria grande transtorno em nossa configuração territorial, afetando a integridade nacional.
Situação do Maranhão em 1838.
O Brasil atravessava o difícil período da Regência, em que forças desagregadoras ameaçavam a unidade nacional. Sobre a época, Viriato Corrêa escreveu:
"Das fases históricas do Brasil, foi a Regência a mais curiosa e a mais brasileira, por ter sido aquela em que se firmou definitivamente o cunho da nossa nacionalidade".
As divergências políticas maranhenses estavam exacerbadas. O grupo situacionista ou conservador era apelidado Cabano pelos adversários, que queriam confundi-lo com o que agira em Pernambuco e no Pará. Ficava na oposição o Partido Liberal que ganhou o apelativo de Bentevi, em decorrência do jornal editado por seus correligionários, propriedade de Estêvão Rafael de Carvalho.
Uma série de acontecimentos graves vinha intranqüilizando a vida maranhense. O Presidente da Província, Vicente Camargo, mostrou-se incapaz de conter o confronto político. Os crimes aumentavam os ódios facciosos. No interior, encerrada a luta pela independência, centenas de antigos combatentes não conseguiram ocupação permanente.
Vila da Manga, estopim.
Na pequena vila da Manga, situada na margem esquerda do rio Iguará, distante 12 léguas da capital, em dezembro de 1838 ocorreu uma desordem sem importância em si, mas que foi explorada pelo partido dos Bentevis, transformando-se no verdadeiro estopim da Balaiada.
Raimundo Gomes Vieira Jutaí, vaqueiro nascido no Piauí, a serviço do Padre Inácio Mendes de Morais e Silva, ao passar pela vila teve alguns de seus companheiros presos pelo subprefeito local. Entre eles estava seu irmão, acusado de homicídio. O subprefeito era cabano; o fazendeiro, bentevi. Não conseguindo a libertação dos prisioneiros, Raimundo Gomes retirou-se, ameaçando voltar no dia seguinte para libertar o irmão e os outros. A 13 de dezembro entrou na vila com mais nove companheiros, arrombou a prisão e soltou os prisioneiros. As vinte e poucas praças encarregadas da defesa incorporam-se ao bando. Em 2 de janeiro Raimundo Gomes e seu bando entraram na vila do Brejo, onde receberam a adesão de Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio, que imediatamente se intitulou general em chefe das forças bentevis.
Os rebeldes animaram-se e conseguiram a adesão de outros fugidos da lei, aumentando o grupo dia a dia. "A Balaiada logo tomou o caráter de vingança de pretos e mulatos, aliados a índios e cafuzos, desprovidos de terras e direitos, contra os portugueses e seus descendentes não mesclados, que integravam a classe dos poderosos".
A força insurreta contava com um efetivo razoável, dada a adesão de outros grupos liderados também por chefes sem escrúpulos, como Lívio Lopes Castelo Branco, Pedro Moura, Milhomens, Mulungueta, Tempestade, Gavião, Pedregulho e Macambira. O movimento ampliava-se.
Raimundo Gomes tornou-se um perigo para a ordem pública, já que era chefe de uma revolta sem ideal, sem bandeira e sem outros objetivos senão o saque e a obtenção de vantagens pessoais. "O colorido político era aí mero pretexto para demonstrações do mais desenfreado banditismo sertanejo", escreveu Hélio Vianna.
Pouco se podia fazer para contê-los. A reação começou com a iniciativa do prefeito de Itapicuru-Mirim que contava com 40 guardas nacionais mal armados. Mas não chegou a haver um encontro. O Exército tinha efetivos muito reduzidos na área e não fora solicitado a intervir. E Manuel Felizardo de Sousa e Mello, empossado Presidente da Província em 3 de março de 1839, não conseguiu perceber a gravidade da desordem.
Marcha da morte.
Havia necessidade de providências urgentes, principalmente pelas notícias chegadas sobre o procedimento dos sediciosos nas vilas e fazendas encontradas pelo caminho. Eles saqueavam e destruíam tudo, em ações isoladas e sem coordenação. Ficou famosa a investida do Balaio e seu grupo sobre a fazenda Angicos, em março de 1839, por causa da crueldade com que os balaios trataram os vencidos.
Os revoltosos resolveram marchar sobre a cidade de Caxias. Sem contar com a ajuda da capital, também ameaçada, João Paulo Dias Carneiro, valendo-se de sua autoridade na comarca de Caxias, convocou o povo para grande reunião pública a fim de tomarem deliberações exigidas pela situação. Teve um papel preponderante no plano de defesa da cidade o Capitão Ricardo Leão Sabino, que obtivera experiência militar quando participara como voluntário de campanha em Portugal, nas fileiras de D. João VI. Conseguiu-se organizar um corpo com mais de mil homens, constituído de oito companhias comandadas por um capitão e tendo 16 tenentes e 32 alferes, todos comissionados por Dias Carneiro. Organizou-se também um esquadrão de cavalaria e um grupamento de artilharia sob o comando do Capitão Sabino. Reformulou-se o plano de defesa, que continha entrincheiramentos, tendo as mulheres recebido a atribuição de operar o remuniciamento. Graças à organização militar, embora improvisada, pôde o povo de Caxias resistir heroicamente a um cerco de 46 dias.
Último cartucho.
Por fim a situação tornou-se insustentável. Os defensores estavam exaustos. Então, o Capitão Sabino preparou o canhão e acenou para os rebeldes, fazendo-lhes uma alocução, como se fossem partidários dele. Pediu-lhes que se aproximassem e quando estavam na distância desejada ergueu um viva ao Imperador e pôs-se a tocar o hino nacional com uma pequena flauta. Diante do estarrecimento dos balaios, ouviu-se a descarga de um tiro de canhão, desferido por Sabino. Houve um pânico geral; tinha sido deflagrado o último cartucho das forças defensoras. A desordem dos balaios propiciou tempo para que os legalistas se retraíssem, deixando a cidade entregue aos revoltosos.
Arrancada sobre a capital. Morte do Balaio.
Conquistada a cidade de Caxias (1º de julho de 1839), os balaios, empolgados com a liderança alcançada no âmbito do Partido Bentevi, decidiram dirigir-se a outros objetivos.
Raimundo Gomes resolveu enviar uma comissão a São Luís com o objetivo de solicitar a deposição das armas ao Presidente Vicente Camargo, que encaminhou a petição ao Rio de Janeiro.
Os chefes rebeldes não se entendiam bem. As ambições pessoais sobrepunham-se ao interesse comum. Depois de dominarem determinada região e gastarem seus recursos, os balaios deixavam-na em busca de outra mais promissora.
Caxias foi retomada a to de setembro pelas forças legais sob o comando do Tenente-Coronel José Dias Carneiro, mas Balaio investiu novamente sobre a cidade em 9 de outubro, com 2 mil homens, ocupando-a por algumas horas, quando recebeu um tiro do francês Isidoro, ali residente, vindo a morrer em conseqüência de gangrena no ferimento.
Com a desocupação de Caxias, os rebeldes se espalharam, levando a desordem a outros lugares do Maranhão. Aderira ao movimento o preto Cosme, evadido da cadeia de São Luís, que passou a se chamar D. Cosme Bento das Chagas, seguido de uma multidão de escravos que arregimentara. Intitulava-se "tutor e imperador das liberdades bentevis", em nome das quais cometeu incríveis crueldades.
Nomeação do Coronel Luís Alves de Lima e Silva.
A situação continuava grave. Estavam ameaçadas a capital maranhense e as localidades próximas. A pequena força naval sob o comando do Capitão-de-Fragata Joaquim Marques Lisboa procurou agir contra os rebeldes. Em 2 de novembro, 160 homens comandados pelo Tenente-Coronel Luís Antônio Favilla, com a cooperação da força naval do Primeiro-Tenente Jesuíno Lamego Costa, tomaram de assalto a vila de Icatu, às margens do rio Munim.
Face à evolução da situação sentiu o governo imperial a conveniência de confiar a uma só pessoa a Presidência da Província e o comando das Armas, tendo a escolha recaído no Coronel Luís Alves de Lima e Silva, que havia nove anos comandava o Corpo de Guardas Municipais Permanentes na Corte. A Carta Imperial de nomeação recebeu a data de 12 de dezembro de 1839. No dia 27, Luís Alves embarcava no navio São Sebastião, no Rio de Janeiro.
Primeira proclamação aos maranhenses.
A missão de Luís Alves de Lima e Silva era a de pacificar o Maranhão, tendo-lhe sido concedida autorização de penetrar no Piauí e no Ceará, se necessário, ficando sob suas ordens todas as forças operantes nessas Províncias.
O Coronel Lima e Silva chegou ao Maranhão em 4 de fevereiro e tomou posse três dias depois, em meio a contentamento geral. Dirigiu então de São Luís uma proclamação a toda a Província:
"Maranhenses! Nomeado Presidente e Comandante das Armas desta Província, por Carta Imperial de 12 de dezembro de 1839, eu venho partilhar das vossas fadigas e concorrer quanto em mim couber para a inteira e completa pacificação desta bela parte do Império. Um punhado de facciosos, ávidos de pilhagem, pôde encher de consternação, de luto e sangue vossas cidades e vilas! O terror que necessariamente deviam infundir-vos esses bandidos concorreu para que engrossassem suas hordas; contudo, graças à Providência, as vitórias até hoje alcançadas pelos nossos bravos, seu número começa a diminuir diante das nossas armas. Mais um esforço e a desejada paz virá curar os males da guerra civil. Qualquer que seja o estado em que se achem hoje os rebeldes, eu espero com os socorros que o governo geral vos envia e com a força que me acompanha, fortificar nossas fileiras e não abandonar-vos enquanto os não houver debelado (...) Maranhenses! Mais militar que político, eu quero até ignorar os nomes dos partidos que por desgraça entre vós existam (...) e, confiando na Divina Providência que por tantas vezes nos tem salvado, espero achar em vós tudo o que for mister para triunfo da nossa santa causa"
Pacificação.
O Coronel Luís Alves obteve logo a confiança das facções em luta. Reorganizou os meios disponíveis, dispensando os excessos; colocou o pagamento em dia; instruiu e preparou a tropa, criando a Divisão Pacificadora do Norte, estruturada em três colunas (Fig 1). As tropas que estavam nas comarcas de Caxias e Pastos Bons ficaram pertencendo à 1ª coluna, sob o comando do Tenente-Coronel Francisco Sérgio de Oliveira; a brigada do Tenente-Coronel João Tomás Henriques compôs a 2ª coluna, atuando em Vargem Grande e Brejo; finalmente, a 3ª coluna, sob o comando do Tenente-Coronel Luís Antônio Favilla, com a incumbência de varrer a zona de Icatu. A guarnição da capital ficou entregue ao Coronel Manuel de Magalhães.
Plano de Campanha de Luís Alves de Lima e Silva
Caxias organizou hospitais e nomeou médicos, cirurgiões e capelães para todos os acampamentos. Restaurou a disciplina e o moral das forças legalistas. Como Presidente da Província, favoreceu a lavoura e procurou incrementar as trocas comerciais da capital com o interior. Como era natural, encontrou dificuldades para executar o planejamento militar e administrativo. Soube, no entanto, encontrar soluções satisfatórias para todos os problemas.
Dos rebeldes, cerca de 2 mil estavam espalhados por toda a região nordeste do Maranhão, entre Brejo e Tutóia; em Pastos Bons havia também o mesmo número; nas proximidades de Caxias existiam também alguns bandos. Eles não tinham acampamento fixo e atacavam os locais fracamente defendidos. Ao todo eram mais de 6 mil. Convinha ter sempre as vilas bem guarnecidas, em particular nas regiões de Tutóia, Icatu, Rosário, Itapicuru-Mirim, Caxias, Anajatuba e São Luís, bem como no vale do rio Parnaíba, desde Brejo até Pastos Bons.
Com as tropas bem dispostas, o Coronel Lima e Silva procurou operar em toda a Província, iniciando a campanha pela comarca de Brejo, utilizando com freqüência o envolvimento e a técnica atualmente conhecida como martelo e bigorna.
O governo funcionava normalmente. Confiante nos auxiliares diretos, começou o Presidente a sair da capital e a dirigir por vezes pessoalmente as operações contra os rebeldes. Contudo, não se descuidava de suas obrigações em São Luís e retornava para tomar as decisões governamentais que exigissem sua presença.
Lima e Silva soube enfrentar com paciência todas as dificuldades materiais da tropa. Aos poucos foram se rarefazendo os efetivos de Raimundo Gomes.
A notícia da maioridade de D. Pedro II chegava à Província a 23 de agosto de 1840 e Lima e Silva soube explorá-la em favor da integração nacional, divulgando nova proclamação:
"Maranhenses! Uma nova época abriu-se aos destinos da grande família brasileira. Sua Majestade o Imperador (...) assumiu os direitos que pela Constituição do Estado lhe competem. Declarado maior, ei-lo enfim como símbolo de paz, de união e de justiça, colocado à frente da Nação que o reclamava. (...) Maranhenses! Um sublime pensamento deve agora inflamar o coração brasileiro, (é) o respeito às leis e o esquecimento de vergonhosas intrigas que só tem servido para enfraquecer-vos; um só partido, enfim, o do Imperador."
Prosseguindo na missão, tratou de agir diplomaticamente. Entrou na fase das concessões, para dar oportunidade aos que quisessem recuperar-se. Usou o nome do monarca, empenhou a Igreja e ofereceu garantias aos arrependidos. Esse tipo de conduta, no entanto, não foi suficiente para dominar, de uma vez por todas, as forças rebeldes. Em certos casos era impossível apelar para a compreensão. Era preciso empregar a força contra os que não cedessem a métodos suasórios.
Raimundo Gomes, o chefe revoltoso, acabou rendendo-se a 15 de janeiro de 1841 e faleceu em viagem para São Paulo. D. Pedro II decretara a anistia (22 de agosto de 1840) a 2.500 rebeldes que depuseram as armas.
Cosme, chefe dos escravos sem feitores, assumiu a direção do movimento, mas foi surpreendido em Tocanguira, sendo preso, julgado e enforcado em setembro de 1842.
Luís Alves de Lima e Silva, como Presidente da Província e Comandante das Armas, anunciou a pacificação em 19 de janeiro de 1841, o que vinha a representar mais uma participação das forças terrestres na manutenção da unidade nacional.
Governo do Coronel Luís Alves.
Durante o período de pacificação o Presidente conduziu os destinos do Maranhão com prudência e habilidade. Conquistou o respeito e a estima de todos devido à austeridade de seus hábitos e à dignidade de suas ações, aliados a sua mentalidade religiosa. Era franco, liberal, conciliador e previdente; procurava sempre adotar a medida mais adequada para a situação, ou seja, energia para os que dela necessitavam, complacência e compreensão para os recuperáveis.
Após a ação pacificadora passou o governo ao Dr. João Antônio de Miranda, já que sua missão estava finda. Foi promovido a brigadeiro em 18 de julho de 1841 e, a 31 do mesmo mês, agraciado com o título de Barão de Caxias. |