PRAIEIRA
Caracterização do movimento.
Revolução, insurreição, rebelião, levante, revolta - são classificações que têm sido atribuídas ao movimento praieiro pelos historiadores, que também discordam quanto aos objetivos dessa convulsão. Mas são todos unânimes em que uma das características que o definiram foi sua feição de guerrilha.
O título praieiro advém da rua da Praia, em Recife, onde Luís Roma e João Batista de Sá imprimiam o Diário Novo, órgão do grupo político que comandava o movimento. A partir de setembro de 1844, este periódico recebeu o apoio do General José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, que se deslocou do Rio de Janeiro para Recife.
O movimento foi, para alguns, exclusivamente político, sem fundo ideológico, e limitado a Pernambuco, sem conseqüências de âmbito nacional. Para outros, foi um movimento nativista, com acentuada xenofobia. Seus adeptos reivindicavam a nacionalização do comércio varejista, a exclusão dos portugueses não ligados a brasileiros por laços familiares. O Exército foi mais uma vez convocado para pacificar uma Província conflagrada.
Mudanças políticas.
Em 1844 caiu o Gabinete Conservador e, a partir daí, os liberais pernambucanos procuraram fortalecer-se, prevenindo-se para a hipótese de queda eventual do Gabinete de seu partido, o que constituiria uma rotina parlamentar. Iniciaram a distribuição de empregos a amigos e correligionários - uma prática política da época -, preparando-os para futura defesa de suas posições.
Em 31 de maio de 1848, nova mudança política ocorreu. A dissolução da Assembléia Geral e conseqüente subida dos conservadores ao poder, em 29 de setembro, produziu, no Partido Liberal pernambucano, reação semelhante à dos mineiros e paulistas em 1841. Os liberais pernambucanos decidiram preparar-se para o embate. Ademais, havia um certo mal-estar na Província, em conseqüência das más condições de vida e da propaganda livre de ideologias revolucionárias, que criava um clima de tensão.
O Presidente Herculano Ferreira Pena tentou acalmar e controlar a situação. Procurou fazê-lo mediante a demissão de autoridades policiais do interior, praticantes de abusos e desmandos, mas com isto acendeu-se o estopim da revolta.
Começa a revolta.
Situação em Pernambuco 1848-1849
A 7 de novembro de 1848, os primeiros grupos armados de praieiros juntaram-se na localidade de Igaraçu e seguiram para Nazaré, bloqueando, desde logo, as comunicações de Recife com o interior da Província. Cerca de 300 a 400 guardas nacionais foram então preparados para a luta. Ao mesmo tempo os rebeldes difundiam violenta propaganda contra o Presidente da Província, objetivando conseguir a um só tempo o apoio da população e a desmoralização das autoridades. Firmino Antônio de Sousa, Chefe de Polícia, e o Capitão Isidoro da Rocha Brasil, com uma centena de praças, saíram ao encontro dos insurretos, mas, em face do efetivo e da técnica de guerrilha empregada pelos adversários, compreenderam a necessidade de apoio efetivo para enfrentar a situação. No dia 10 de novembro, o Coronel José Vicente Amorim Bezerra, com o 4° Batalhão de Artilharia a Pé, reforçado por policiais e 80 guardas nacionais, foi designado para empreender a ação contra os praieiros.
Embora os grupos inimigos, utilizando o fator surpresa, em operações limitadas, terem conseguido retardar as forças do Exército, estes lograram recalcar o adversário até a região do engenho Mussupinho, onde se travou violento combate, cabendo a vitória às forças legais.
Combate de Mussupinho.
Os revoltosos comandados pelo Coronel José Joaquim de Almeida Guedes haviam-se ocultado às margens da estrada para Mussupinho, em terreno elevado. O Coronel Amorim Bezerra narra o combate no relatório ao Presidente da Província:
"Tenho a honra de comunicar a V. Excia. que a força de meu comando obteve hoje o mais completo triunfo do lugar Mussupinho (engenho deste nome) aonde constando-me, esta manhã que se achavam reunidos os revoltosos, me apressei a atacá-los.
"O inimigo achava-se colocado em posições vantajosas, algumas das quais eram sobranceiras ao meu campo e além disto estava protegido por guerrilhas entrincheiradas. Não obstante, engajei-o no combate que foi renhido e sanguinolento. Três horas, porém, depois de haver ele durado, apossei-me do campo inimigo, desalojando os revoltosos de suas posições defensivas e levando-os em completa debandada até uma vasta distância do acampamento.
"Apossando do campo fiz desarmar os prisioneiros e não continuei mandar a perseguir os fugitivos, porque, estando já fora de combate o clarim de cavalaria, não podia por este motivo fazer os toques precisos, para que a cavalaria carregasse. Porém mandei logo em seguimento a infantaria, e os revoltosos correram em completa derrota, apresentando-se alguns.
"A perda do inimigo foi considerável: 15 mortos, (...) uma grande parte de feridos, ficando em nosso poder 56 prisioneiros e como despojos grande poção de armamento e cartuchame, três barris de pólvora, uma corneta e muitas pedras de ferir.
"Nossa perda foi menor pois que só temos a deplorar a morte de 10 bravos e o ferimento de poucos.
Era 14 de novembro de 1848: a primeira vitória dos legalistas sobre os revoltosos.
Rearticulação dos rebeldes.
O movimento não morreria no nascedouro, como muitos supunham. Chegara a Recife o Deputado Joaquim Nunes Machado, que gozava de grande popularidade entre os praieiros e era considerado o chefe mais importante dos liberais, na área. Sua entrada em cena assegurava aos insurretos o estimulo que necessitavam. Aglutinados em torno do líder, novos contingentes concentraram-se, desta vez nas matas de Catucá, onde se destacava a figura de Antônio Borges da Fonseca, jornalista e revolucionário; para alguns era um herói; para outros, um impostor. Combateu a princípio os praieiros, mas filiou-se a eles no final de 1848. Panfletário, dirigiu diversos periódicos revolucionários, especialmente O Repúblico. Redigiu o manifesto, lançado em 10 de janeiro de 1849, anunciando os propósitos dos chefes praieiros quanto ao movimento.
Em Catucá, as forças do Exército enfrentavam com enormes dificuldades as operações de guerrilha dos praieiros mas enfim conseguiram expulsá-los da região (11 de dezembro de 1848). Pressionados, os revoltosos resolveram retirar-se para Goiana e em seguida para novo acampamento, em Igaraçu.
O governo imperial começava a preocupar-se com a revolta e resolveu nomear o Dr. Manuel Vieira Tosta (depois Marquês de Muritiba), Presidente da Província. Para obter a pacificação e evitar o derramamento de sangue Tosta fez uma proclamação aos pernambucanos, assegurando-lhes tratamento justo e oferecendo-lhes perdão. Para o Comando das Armas e das forças em operação a escolha havia recaído no Brigadeiro José Joaquim Coelho (depois Barão da Vitória).
A resposta liberal foi pronta: os chefes praieiros divulgaram pela imprensa artigos em que contestavam os propósitos do novo Presidente. Tosta procurou agir com serenidade e firmeza. Os praieiros, exaltados, começaram a se reunir em Água Preta, planejando atacar Recife com cerca de 2 mil homens.
O Brigadeiro Coelho dirigiu suas forças contra os praieiros derrotando-os em Cruangi em 20 de dezembro de 1848.
Combate de Recife (Fig 2).
Na manhã de 2 de fevereiro de 1849, os rebeldes investiram com todas as suas forças contra a capital da Província. A defesa, organizada pelo Coronel Amorim Bezerra, resistiu desesperadamente nas ruas e praças. Os entrechoques eram violentos; as forças legais não tinham confiança no êxito da luta. Então o Brigadeiro Coelho, no encalço dos rebeldes, conseguiu colhê-los pela retaguarda, na praia. Morto Nunes Machado, participante do ataque ao quartel de Soledade e figura de grande prestígio entre os praieiros, os revoltosos perderam o ímpeto e resolveram retirar-se. Era uma nova vitória das forças do Exército. Encontravam-se na área 10 navios da Esquadra (capitânia a fragata Constituição) sob o comando do Capitão-de-Fragata Joaquim José Ignácio, que tiveram oportunidade de participar da luta. Estava presente também por casualidade, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Joaquim Marques Lisboa, que não titubeou em entrar no combate. Contingentes de marinheiros e fuzileiros desembarcaram para participar da defesa de Recife. Nesse combate distinguiram-se os jovens Tenentes José da Costa Azevedo (depois Barão do Ladário) e Elisiário Antônio dos Santos (depois Barão de Angra).
Mais importante que o relato de minúcias do combate são as reflexões sobre o plano de ataque e defesa, narrados por Figueira de Melo na sua citada Crônica:
"Se agora quisermos avaliar o modo pelo qual fora atacada ou defendida a cidade de Recife não podemos deixar de reconhecer que se deram erros graves e importantes tanto da parte do governo como da parte dos revoltosos.
"Da parte do governo notaremos como primeiro erro o haverem-se estendido tanto as linhas de defesa da cidade que era impossível que os pontos se não enfraquecessem e que as respectivas forças legais se pudessem mutuamente socorrer em caso de urgência e combinar os seus meios de resistência, de sorte que daí resultou que os rebeldes, achando estes pontos mal defendidos e guarnecidos facilmente os tomaram ou puderam passar por eles sem grande perigo (...) "Da parte dos rebeldes supõe-se geralmente que se houvessem reunido com todas as suas forças em uma só coluna e entrado assim na cidade em vez de se dispersarem nela em grupos, não teriam encontrado nas forças legais, disseminadas por diversos pontos, resistência suficiente para detê-los; e que no caso de marcharem direto ao Palácio do Governo conseguiriam facilmente tomá-lo e se apossariam depois de toda a cidade pelo desânimo que tal acontecimento incutiria necessariamente nos seus defensores. Um segundo fator que também cumpre não esquecer é a covardia da coluna da Soledade que em vez de combater se pôs a roubar as casas do bairro que tivera a desgraça de sofrer sua presença."
O ataque da Praia ao Recife
Começo do fim.
Com o fracasso de Recife, imaginou-se que a revolta recebera o golpe de misericórdia. Era engano. Inflamados pela causa, os rebeldes buscaram novamente reorganizar-se. De Recife seguiram para Igaraçu e Pasmado, onde entraram a 5 de fevereiro, procurando reabastecer-se de munições e alimentos pela violência - era o desespero da derrota.
Perseguidos pelo Exército, as tropas da coluna do norte penetraram na Paraíba, fazendo depredações e espalhando o medo. As sucessivas derrotas fizeram com que a maioria dos líderes desertasse e fugisse para o sul do país, apesar do esforço obstinado de Borges da Fonseca para incentivá-los a prosseguir na luta. Acuado, o líder revolucionário resolveu refugiar-se com um pequeno bando em Cabo, onde foi surpreendido, preso e conduzido para Recife em 31 de maio, tendo-se desbaratado a coluna do norte.
A coluna do sul teve o mesmo fim. O Capitão Pedro Ivo Veloso da Silveira dirigiu-se para Água Preta. Desprovido de recursos e abandonado por seus principais colaboradores, embrenhou-se pelo sertão, numa luta de guerrilhas que o tornou famoso, cantado pelos poetas da época. Vagou sem rumo por mais de um ano. Afinal, aconselhado pelo pai, resolveu entregar-se ao governo da Bahia. Foi mandado preso para o Forte da Lage do Rio, mas conseguiu evadir-se e embarcar para o exterior num navio estrangeiro em 19 de abril de 1851. Durante a viagem, morreu.
Vários chefes praieiros enfrentaram prisão e processo, sendo que Borges da Fonseca, Jerônimo Vilela de Castro Tavares, Bernardo José da Câmara e o General José Inácio de Abreu e Lima receberam a prisão perpétua em Fernando de Noronha, sendo anistiados em 1852 por decisão de D. Pedro II.
Cessara a última revolta política em protesto contra as mutações ministeriais do segundo reinado, graças à efetiva participação das forças terrestres. Em 1852, foram anistiados os praieiros condenados. A revolta havia ceifado milhares de vidas e provocado perdas materiais enormes. |